Quando o virtual se confunde com o real

Estudo levanta questões sobre as novas tecnologias de informação e comunicação no jovem contemporâneo


Bruno Fischer Dimarch Educação

28/11/12 14:03 - Atualizado em 28/11/12 14:11

web_70Quando um jornal espanhol publica que um estudo revelou que jovens confundem o mundo virtual com o real abre-se uma brecha para certa desconfiança. Afinal, como estão parametrizadas tais categorias? Como definir o real?

Na matéria, os jovens são diferenciados dos adultos por perceberem o mundo virtual como uma extensão da realidade enquanto os adultos vêm a rede como um “instrumento”. Os adolescentes teriam duas realidades paralelas como constituintes da vida. Muitas de suas ações e vivências sociais ocorrem no Facebook e outras redes sociais, de tal sorte que uma grande parte já não consegue se imaginar vivendo sem acesso a elas.

Um dos impactos dessa percepção da realidade está relacionada com a não diferenciação entre espaço público e privado. Brigas, subversões e intimidades ficam expostas e facilmente acessíveis por quaisquer usuários. O prejuízo mais direto se encontra na procura de empregos, pois os empregadores têm pesquisado os candidatos na internet.

Interessante notar que o uso das TIC pelos jovens é melhor visto pelas famílias do que pelas escolas, que mantém uma postura mais conservadora em relação a elas. Apesar do incremento tecnológico de suas escolas, a metodologia não foi renovada e as redes sociais são ignoradas. Por sua parte, os alunos tendem a desautorizar os docentes que não dominam as TIC e/ou fazem parte do mundo digital.

O estudo, contudo, contrasta com o destaque do jornal. Apesar de constar uma fala de Jordi Busquet, principal pesquisador do grupo, na matéria que abre espaço para tal inferência, a confusão entre real e virtual por parte dos jovens não foi abordado pelos pesquisadores catalães no texto originalmente publicado. De fato, a pesquisa conclui “que o desenvolvimento tecnológico corre paralelo ao nascimento de novos espaços e ideias sobre a vida em sociedade”.

A cultura nos dá as bases para nosso olhar sobre a realidade. Desde as estórias contadas oralmente temos uma influência do modo como percebemos a vida. O Realismo na literatura, por exemplo, foi uma reação à visão que o Romantismo engendrara (vide A mulher de 30 de Honoré de Balzac). É natural, portanto, que mudanças socioculturais influenciem nossa visão de mundo e, uma vez que os jovens estão mais próximos e receptivos a elas, são eles os primeiros a expressar as transformações decorrentes.

web_96O mundo acadêmico se debruça sobre esse processo evolutivo, com destaque para a busca do status paradigmático contemporâneo. Nele se encontram as discussões sobre a sociedade da informação, o ciberespaço, as TIC e as investigações de Zygmunt Bauman acerca de uma “liquidez” na modernidade (dos sistemas sociais aos vínculos pessoais).

O real, a representação, o virtual, a simulação etc. são conceitos discutidos desde o início do pensamento filosófico. Dentro do vasto escopo que ele nos oferece, a fenomenologia pode ser uma base interessante para pensarmos o mundo digital.

Por meio das ideias de Charles Sanders Peirce, por exemplo, os fenômenos que percebemos no mundo não são as coisas reais em si. Quando estamos em contato com um determinado objeto, estamos em contato com o efeito que ele causa em nossas mentes (por meio de nossos sentidos e da interpretação que fazemos do objeto). O objeto em si não acessamos, pois sua apreensão é mediada por seus signos e, mais especificamente, por aqueles que podemos acessar (podem existir outros modos de perceber um mesmo objeto para além dos cinco sentidos humanos, mas não os conhecemos).

Relembremos a provocação de René Magritte, “Ceci n’est pas une pipe” e ampliemos: nem com o cachimbo presente podemos conhecê-lo integralmente. Alguns objetos (como as ondas infravermelhas) conseguimos nos relacionar apenas devido a mecanismos de tradução que os tornam acessíveis à nossa percepção.

A mente, além de se relacionar com os signos das coisas, opera também segundo uma relação de signos (imagens mentais, ideias, lembranças etc.), pois o signo é algo que está no lugar de outro algo. A lembrança de uma música está no lugar da música ouvida em outro momento. Ao sentir um determinado odor, o efeito causado na mente, além da própria percepção do aroma, pode acionar uma cadeia de signos (memórias, imagens, sensações).

Consequentemente, a diferenciação entre mundo virtual e real deve ser relativizada. O universo digital e a convivência social por ele permitida pode igualmente causar efeitos em nossa mente, pois também opera por meio de signos. Cabe, por outro lado, pesquisar também sobre as diferentes qualidades sígnicas, seus processos e efeitos. Colocando de outra forma, há aspectos gerais e específicos na investigação acerca do mundo digital dentro de um complexo universo fenomenológico. 

Pensar o jovem de nossa era como um sujeito que transita em duas realidades paralelas seria, portanto, uma visão equivocada sobre ele, uma vez que esta “segunda realidade” seria também parte de uma realidade cultural geral na qual também residem outras “realidades” que afetam a percepção e o modo de vida contemporâneo.

 

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